12.8.11

o mundo e a aula

O que é uma aula em relação ao peso, ao tamanho, à crueza e à violência desse MUNDO?
Talvez microscópicos momentos de epifania.

Ao professor: escolha a alternativa

O assunto: alunos.
Sua escolha: Estigmatizá-los, já traçando um triste destino ou fazer arqueologia, cavando e deixando à mostra o que há neles de potencial?

9.6.11

conto acumulativo

Estava uma professora em seu lugar, veio uma sala lotada lhe fazer mal,
A sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio os relatórios lhe fazer mal,
Os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio as provas externas lhe fazer mal,
As provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar
Estava uma professora em seu lugar, veio os baixos salários lhe fazer mal,
Os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio a dupla jornada lhe fazer mal,
A dupla jornada, os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio as diretrizes curriculares lhe fazer mal,
As diretrizes, a dupla jornada, os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio a depreciação social lhe fazer mal,
A depreciação, as diretrizes, a dupla jornada, os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio a violência lhe fazer mal,
A violência, a depreciação, as diretrizes, a dupla jornada, os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio o comodismo lhe fazer mal,
O comodismo, a violência, a depreciação, as diretrizes, a dupla jornada, os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora. E a professora a ensinar.
Estava uma professora em seu lugar, veio as patologias lhe fazer mal,
As patologias, o comodismo, a violência, a depreciação, as diretrizes, a dupla jornada, os baixos salários, as provas externas, os relatórios, a sala lotada na professora... e a professora a ensinar?

31.5.11

no armário

  Na sala dos professores, quase na hora de bater o sinal para iniciar a primeira aula, um grupo de professores substitutos,um pouco afoitos, debatiam  em que salas entrariam para substituir. 
  Uma professora disse, com os olhos arregalados que havia mais faltas do que professores.A coordenadora, por sua vez,  tentava organizar toda essa movimentação:
  -Maria, de ciências, substitui educação física; Jorge, de matemática, fica com os pequenos da primeira série; Joana de inglês, fica com as aulas de artes.
  Mônica, professora de português, então pergunta:
  - E eu, coordenadora?Aonde fico?
  -Ah sim, você...Hum, você por enquanto recolhe as prendas da festa junina, corta as faixas que serão usadas pelas alunas na dança, recolhe as autorizações para o campeonato de futebol, organiza as filas para o recreio e por último substitui as aulas do João, de história.
  Mônica, cansada dessa história toda e um pouco arrependida de sua pergunta, diz:
 -Aqui me mandam fazer de tudo, entrar em todo lugar, só não me mandam entrar no armário, uma pena....quem sabe poderia me esconder disso tudo.

10.5.11

dobrar

Eu dobro, eu dobro, você dobra, você dobra, ele dobra, ele dobra, ela dobra, ela dobra, nós dobramos, nós dobramos, eles dobram, eles dobram.
Dobrar: tornar duas vezes maior; duplicar. Aumentar. Virar um objeto de modo que uma ou mais partes dele fiquem sobrepostas a outra ou outras. Voltar para baixo. Eis alguns significados dessa palavra.
E na escola, entre os professores, o que significa?
Dobrar, para o professor, é sim duplicar, é ser dois, mas, talvez,  não seja tornar-se duas vezes maior. É repetir-se em um mesmo dia.
É ter dois empregos, dupla jornada, duas escolas, lugares diversos, almoços corridos, planejamentos apertados, talvez no intervalo entre uma aula e outra ou enquanto faz o jantar em casa.
Mas por que tantos e tantas dobram? Ou querem dobrar?
Talvez, necessidade. Necessita-se cada vez menos de salários que todo o mês veem pela metade.
Tendo o dobro como ponto de partida, como algo comum nos habitats escolares, há possibilidade de um professor ser o dobro em dedicação, atenção e compromisso?
Talvez o máximo que se consiga seja o meio. Tudo muda ao meio-dia. Ora um professor atento, ora desleixado, ora animado, ora estafado, ora atencioso, ora desatento.
O dobro, então, vira metade. Um mesmo professor, agora dois, dois que se existissem ao mesmo tempo lutariam até a exaustão.
E para os alunos, qual o resultado do dobro de um mesmo professor?
A metade. Metade vivenciarão um professor presente, metade apenas a sombra dele.
O dobro é perverso. Divide, decepa, esgota. O dobro vira no avesso o gosto e a vontade daqueles que escolheram habitar a escola. Ele empanturra o professor do gosto, do cheiro, da cor da escola.
O dobro que parece encher os bolsos, inverte a soma e esvazia os cofres daqueles que ensinam e abarrotam os daqueles que preescrevem e medicam.
O professor/professor vê a cada dia seu ânimo ser derramado. Cada vez menos sobra forças para compartilhar o que sabe e para buscar o que não sabe. Torna-se pouco a pouco leviano, medíocre, deixando de oferecer, mesmo sem consciência, aos mais novos, o acesso aos saberes acumulados no mundo.
O que nos resta?“Virar um objeto de modo que uma ou mais partes dele fiquem sobrepostas a outra ou outras”?

8.5.11

indíos do Brasil, um vídeo.

Professor Flamante,
Gostaria de compartilhar com você um episódio de um vídeo produzido pela TV Escola sobre os "Índios do Brasil". Este capítulo especificamente mostra a visão e o conhecimento da sociedade em relação aos índios no Brasil. Apresenta também os índios Yanomami, Kaxinowá, Ashaninka, Kaingang, Maxacali, Baniwa e Pankararu.
É interessante, pois em alguns momentos se fala como a escola aborda esse assunto.
Segue o link para baixar o vídeo com duração de 18 min:


http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=22224

Até breve.
Abraços,
Uma habitante da escola.

30.4.11

índio quer apito?




Caro Professor Flamante*,
Um dia de abril andava pela rua e me deparei com uma invasão de cocares de papel e caras pintadas.
Mais uma data comemorativa chegou. Entrei na escola para ver como os povos índigenas eram lembrados naquele lugar.
Professoras dos alunos menores encontravam-se muito preocupadas e agitadas. O motivo de tanta preocupação não era pesquisar os costumes, contribuições indígenas à cultura brasileira, a arte e o artesanato, mas sim em correr e pegar os melhores materiais e pincéis, na dispensa      quase vazia da escola, para fazer o famigerado cocar e a pintura na cara.
Cartolinas e mais cartolinas são levadas às salas. E a música cadê? Sim a música foi escolhida, aquela que sua bisavó já cantava: “1,2,3 indiozinhos/4,5,6 indiozinhos...”. Ou que você cantava quando crianca, da Xuxa:

Índio fazer barulho
Índio ter seu orgulho
Índio quer apito mas também sabe gritar
Ô ô ô, ô ô ô, ô ô ô ô
Ô ô ô, ô ô ô, ô ô ô ô

Mesmo com a internet aí “dando sopa” há uma preguiça fora do comum em encontrar coisas que tragam algo a mais sobre a cultura indígena. Como me interesso muito por músicas, pesquisei e encontrei algumas músicas interessantes, como uma do compositor Hélio Ziskind, que traz informações sobre a língua, a música, mesmo de modo simplificado, pois é voltado ao público infantil:

Tu Tu Tu Tu
Tu Tupi

Todo mundo tem
um pouco de índio
dentro de si
dentro de si

Todo mundo fala
língua de índio
Tupi Guarani
Tupi Guarani

E o velho cacique já dizia
tem coisas que a gente sabe
e não sabe que sabia

e ô e ô

O índio andou pelo Brasil
deu nome pra tudo que ele viu
Se o índio deu nome, tá dado!
Se o índio falou, tá falado!
Se o índio chacoalhou
tá chacoalhado!
e ô e ô

Chacoalha o chocalho
Chacoalha o chocalho
vamos chacoalhar
vamos chacoalhar
Chacoalha o chocalho
Chacoalha o chocalho
que índio vai falar:

Jabuticaba Caju Maracujá
Pipoca Mandioca Abacaxi
é tudo tupi
tupi guarani

Tamanduá Urubu Jaburu
Jararaca Jibóia
Tatu
Tu Tu Tu
é tudo tupi
tupi guarani

Arara Tucano Araponga Piranha
Perereca Sagüi Jabuti Jacaré
Jacaré Jacaré
quem sabe o que é que é?
- ...aquele que olha de lado...
é ou não é?

Se o índio falou tá falado
se o índio chacoalhou
tá chacoalhado
e ô e ô

Maranhão Maceió
Macapá Marajó
Paraná Paraíba
Pernambuco Piauí
Jundiaí Morumbi Curitiba Parati
É tudo tupi
Butantã Tremembé Tatuapé
Tatuapé Tatuapé
quem sabe o que é que é?
- ...caminho do Tatu...

Tu Tu Tu Tu
Todo mundo tem...

Na escola, lembrar do índio é tarefa para um ou dois dias por ano, nada mais que isso. Seria um assunto a se explorar o ano todo. Porém, o tratamento é sempre o mesmo: superficial.
É professor Flamante, do jeito que aprendemos há anos e anos atrás, infelizmente, continua sendo repetido. Achava que índio andava pintado o dia todo, usava cocar todos os dias, eram selvagens que tinham que ser "aprimorados" com a nossa cultura.Quanto absurda junto, você não acha?
Pesquisando, aprendi que as pinturas corporais e os apetrechos como cocares e demais artes plumárias são utilizadas em datas especias, em rituais específicos, como o nascimento, casamento ou morte. De um jeito ou e outro agimos dessa forma, pois também utilizamos trajes especiais em momentos especiais.
Comecei a pensar quem/quando se inventou o dia do índio. Encontrei em um site do Museu de Etnologia Indígena do CES, um pouco da história dessa data:

“Um dado interessante, questionado por inúmeros visitantes, é a razão da data comemorativa. A resposta está relacionada há 70 anos, quando, em 1940, durante a realização do I Congresso Indigenista Interamericano, no México, representantes de diversos países americanos convidaram os índios para participar do evento.

O convite foi inicialmente rejeitado; pois, habituados a perseguições e traições, eles mantinham-se afastados de reuniões. Dias depois, convencidos da importância do Congresso na luta pela garantia de seus direitos, os índios resolveram comparecer no evento, em 19 de Abril. Sendo assim, a data, por sua importância na história do indigenismo nas Américas, foi dedicada á comemoração do “Dia do Índio” em todo continente americano. Ainda, por deliberação dos Congressistas foi criado o Instituto Indigenista Interamericano, órgão internacional com sede no México, ao qual estão ligados Institutos Indigenistas Nacionais encarregados de zelar pela garantia dos direitos desses povos.
Um decreto do Presidente Getúlio Vargas, atendendo aos apelos do Marechal Rondon, em 02/06/1943, determinou, a exemplo dos demais países americanos, que o Brasil comemorasse o Dia do Índio, em 19 de abril e, também, ficou estabelecido a adesão de nosso pais ao Instituto Interamericano.”
Não há informações como essa passando pela escola, além disso os índios parecem uma coisa só. Todos são colocados no mesmo caldeirão. Todos falam tupi guarani, todos usam as mesmas pinturas corporais, fazem os mesmo tipos de artesanato e rituais.
Precisava ver imagens, encontrar as especificidades de cada povo. Uma fotógrafa chamada Rosa Gauditano conseguiu me mostrar isso. Rosa é jornalista e fotógrafa. Além disso, fundadora e dirigente da ONG Nossa Tribo. Natural de São Paulo, Rosa começou a fotografar povos indígenas brasileiros em 1991.
índio xavante - Rosa Gauditano


indio yanomami - Rosa Gauditano


indio kaiowá - Rosa Gauditano

Na Caixa Cultural de São Paulo, você pode ver, até o dia 15 de maio,  uma exposição dela com  bonitas fotos sobre povos indígenas de todo Brasil.


Em suas fotos foi possível perceber os diferentes padrões de pintura corporal, de plumas e colares de contas que eles utilizam, até mesmo diferença na fisionomia entre povos diversos.
Em outra viagem pela internet encontrei um bom site para pesquisa sobre os povos indígenas do Brasil. Na página principal você encontra os nomes dos povos, onde se pode clicar e obter mais informações. Além disso, pode-se acessar as políticas indigenistas no Brasil e onde estão as terras indígenas demarcadas.


Voltando à escola depois dessa pequena viagem pelo universo dos povos indígenas, senti vergonha de sair pelo mesmo portão que as crianças com seus cocares de papel na cabeça cantando a música dos indiozinhos. Por que lembrar dos índios apenas uma vez no ano? Dessa maneira, talvez, seja melhor não lembrar.
Termino aqui essa carta e deixo para você, caro professor, uma música:

TODO DIA ERA DIA DE ÍNDIO
Composição: Tim Maia e Jorge Ben Jor
ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=y1Hwf3KXKIc&feature=related
Jês, Kariris, Karajás, Tukanos, Caraíbas,
Makus, Nambikwaras, Tupis, Bororós,
Guaranis, Kaiowa, Ñandeva, YemiKruia
Yanomá, Waurá, Kamayurá, Iawalapiti, Suyá,
Txikão, Txu-Karramãe, Xokren, Xikrin, Krahô,
Ramkokamenkrá, Suyá

Hey! Hey! Hey!
Hey! Hey! Hey!

Curumim chama cunhatã que eu vou contar
Cunhatã chama curumim que eu vou contar
Curumim, cunhatã
Cunhatã, curumim

Antes que os homens aqui pisassem
Nas ricas e férteis terraes brazilis
Que eram povoadas e amadas por milhões de índios
Reais donos felizes
Da terra do pau-brasil
Pois todo dia, toda hora, era dia de índio
Pois todo dia, toda hora, era dia de índio

Mas agora eles só têm um dia
O dia dezenove de abril
Mas agora eles só têm um dia
O dia dezenove de abril

Amantes da pureza e da natureza
Eles são de verdade incapazes
De maltratarem as femeas
Ou de poluir o rio, o céu e o mar
Protegendo o equilíbrio ecológico
Da terra, fauna e flora
Pois na sua história, o índio
É o exemplo mais puro
Mais perfeito, mais belo
Junto da harmonia da fraternidade
E da alegria,

Da alegria de viver
Da alegria de amar
Mas no entanto agora
O seu canto de guerra
É um choro de uma raça inocente
Que já foi muito contente
Pois antigamente

Todo dia, toda hora, era dia de índio
Todo dia, toda hora, era dia de índio

Hey! Hey! Hey!

Jês, Kariris, Karajás, Tukanos, Caraíbas,
Makus, Nambikwaras, Tupis, Bororós,
Guaranis, Kaiowa, Ñandeva, YemiKruia
Yanomá, Waurá, Kamayurá, Iawalapiti, Suyá,
Txikão, Txu-Karramãe, Xokren, Xikrin, Krahô,
Ramkokamenkrá, Suyá

Todo dia, toda hora, era dia de índio
Todo dia, toda hora, era dia de índio

Hey!
Hey! Hey!
Curumim, cunhatã
Hey! Hey! Hey!
Cunhatã, curumim
Hey!
Hey! Hey!
Curumim, cunhatã
Hey! Hey! Hey!
Cunhatã, curumim

Até breve.
Abraços.

*flamante, significa na língua espanhola novo, novato ou reluzente. Professor Flamante é um dos meus interlocutores nas cartas. 

21.4.11

1 ano

Em meados de abril,
completo um ano
um ano como pseudo-professora
um ano em contato contínuo com o `empolgado` funcionalismo público
um ano substituindo, ouvindo lamentos e espetadas na sala dos professores, 
mas também um ano de desafios e de ginga para não enlouquecer e perder o fio que deu sentido para escolher esse lugar para habitar.
Deixo a seguir uma primeira impressão que escrevi em meu caderninho no ano passado:
16 abril 2010
"Hoje minha experiência formal como professora de artes começa. 
Começa só na teoria, pois na prática sou um ser chamado 'módulo'. Nome esquisito que quer dizer substituta.
Quando era aluna odiava as substitutas...Agora é minha hora e vez de ser odiada, rs.
Além disso, pensei que seria professora do fundamental 2, mas na verdade, irei lidar apenas com as crianças de 1a  a 4a série, até aí sem problemas.
Hoje passei a tarde na sala dos professores, observando os diversos cartazes nas paredes, o relógio que andava devagar, a feiúra de uma toalha de plástico na mesa, e uma mesa abarrotada de papéis e livros. O cheiro do café.
Nesse lugar conheci algumas colegas professoras. Uma delas me abordou com uma fala infeliz: 'Ah, vc é nova ainda tá em tempo de desisitir'. Meus nervos se esquentaram, mas no primeiro dia foi melhor ficar quieta. Enfim, as horas vagarosamente se passaram. Frustração no ar."

30.3.11

metamorfose

Uma mulher na rua. Livros e cadernos na mão
Entra. Talvez em uma escola.
Veste-se. Com roupas feitas de planejamentos, atividades e projetos.
Ouve. O som ensurdecedor do sinal.
Todos logo saem para seus lugares ao encontro dos alunos.
A mulher da rua, agora professora, fica.
Não há um lugar certo. Não há encontro marcado.
Espera. O chamado desesperado de alguém.
Pensa. No que será que me transformarão agora?
Metamorfoseia-se. Em um mesmo dia, várias pessoas.
Não tem mais nome, a chamam pelo nome de outro, do professor-ausente.
Traveste-se. Já não se reconhece uma professora. Talvez secretária, enfermeira, médica, psicóloga, assistente de assuntos aleatórios.
Fim do dia. A mulher-professora, "metamorfose ambulante", vai embora. Cambaleando, confusa, procura nela mesma o que sobrou do que era: uma professora com o simples desejo de ter em seu cotidiano, um encontro marcado com seus alunos.

24.3.11

na geladeira

  Pendurada me encontro, como uma peça de carne na geladeira de um açougue.
  Se olho para trás vejo o que fui, se olho para frente, já não sou.
 De repente, acordo do passado, um passado de fluxo de pensamentos e energia criativa, e me vejo aqui pendurada num lugar gélido e com cores parcas.
  Aqui pendurada, sinto a "gravidade" da situação. Mas que situação, eu me pergunto?
 Uma situação-surpresa, em que uma professora grávida de novas ideias, invenções, com desejo de atuar com a a arte e a vida na escola é pendurada na geladeira-escolar e tolhida de ocupar seu lugar principal, a sala de aula.
  Estar na geladeira é deixar de ser para virar coisa. Coisa que tem nome, "módulo", ou mais conhecido como professor eventual. Des-professorar, tapar buracos, fazer favores, dar aulas em doses homeopáticas, não criar vínculos.
  Virei zumbi, minha alma está vagando, só o corpo está presente. 
  Estou gelada, minhas energias criativas e minha vontade de atuar, pintar e bordar nos planos e nas ações também. Endureci.
 Preciso de fogo. Talvez faíscas. De resistência, de inspiração, faíscas de vida. Faíscas que só são encontradas na relação, no embate entre as gentes (professor+alunos), no cotidiano fora da geladeira e dentro do ambiente mais interessante da escola, a sala de aula.

bio


   Já faz uma ano...um ano que saí da faculdade. Saí de lá não só carregando novas ideias, mas  uma enorme vontade de atuar, propor, arriscar. Hoje sou licenciada em artes. Antes disso já atuava como professora, devido minha formação no magistério.
   Hoje em dia trabalho em duas escolas da prefeitura de São Paulo, uma de educação infantil e outra de ensino fundamental, em ambas sou (ou me tranformaram?) numa coisa chamada "módulo", vulgo professora eventual ou substituta. E é nessa situação, estranha, instável, por vezes, desrespeitosa, por vezes desafiadora que me encontro.