27.9.13

ridículo





Sim, eu já entrei em um ateliê de gravura. Lá fiquei encantada com o cheiro da tinta,com  as grandes bancadas para se trabalhar, com os materiais e as ferramentas. Lá o tempo fluía.  O tempo permitia saborear cada momento daquela experiência com a arte. 
Sim, já entrei numa sala de aula de escola pública. Hoje é lá que habito. Um dia, entrei com o plano e o desejo de compartilhar o que vivi em um ateliê e o encantamento que a gravura produz.
Lá não havia cheiro de tinta, mas crianças com os olhos atentos e curiosos. Não havia também bancadas, mas 35 corpinhos espremidos em um espaço pouco adequado.
Apesar disso insisti em levar meu plano adiante. Não havia madeira para todos, mas havia a possibilidade de levar um pedaço grande e todos experimentarem, mesmo que por alguns minutos. E foi isso que aconteceu. Muitos deles ficaram impressionados com a resistência da madeira e a possibilidade de desenhar com facas. Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. A aula acabou.
A saga continuou e foi necessário improvisar com o que tínhamos: bandejas de isopor. Nossas ferramentas passaram a ser palitos e lápis. Furaram, desenharam, experimentaram e Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii a aula acabou.
Chegou a hora da impressão.  Eram apenas 5 rolinhos para 30 e poucas crianças. A escola não comprou e foi o que pude tirar do próprio bolso. A cada imagem que era impressa uma explosão de alegria e encantamento acontecia. Ainda faltavam muitas crianças para imprimir suas gravuras. A falta de tempo me sufocava. Muitos ansiosos para verem sua imagem, gritavam meu nome, outros correndo, pois já tinham terminado. Tinha vontade de fugir. Piiiiiiiiiiiiiiii a aula acabou.
Ridículo. Era isso que me passava pela cabeça ao lembrar da qualidade da minha experiência  em um ateliê em comparação com o que era possível proporcionar aos alunos nas minhas aulas. Ridículo ter que me sujeitar e sujeitar os alunos a condições tão degradantes e empobrecedoras. Ridículo ter que me adequar a um tempo que aborta experiências significativas. Ridículo ter consciência que estou em sistema que foi construído pelas classes abastadas para dar o mínimo, do mínimo, já que a maior parte dos estudantes de escola pública, pobres, só precisa saber ler e fazer continhas. Arte é acessório, penduricalho. Arte não precisa de muito tempo, qualquer um faz. Não precisa de tanta atenção. Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii o tempo acabou.