27.11.12

o dia em que uma exposição virou uma coisa qualquer

Depois de um tempão sem escrever, aí vai um assunto que merece reflexão.





Uma exposição vai além das paredes cheias de trabalhos pendurados e daquele dia, que às vezes soa burocrático, em que a escola abre as portas para os familiares apreciarem os “trabalhinhos” dos alunos.
Para uma exposição acontecer, todo um processo de ensino-aprendizagem tem que existir. Desde a contextualização do tema, a apreciação de inúmeras imagens, os alunos serem instigados para terem curiosidade sobre quem foi aquele artista e por que fez tal obra, as inúmeras aulas práticas para que tenham contato com diversos materiais e técnicas,etc.  Isso pode durar muitos e muitos dias, às vezes meses.
Depois de todo esse momento de contato com o tema, de produção, de suor e perguntas, chega a vez da tão esperada exposição. Chega o momento do resultado de um processo ficar à mostra. Sair  apenas da relação professor-aluno para ir de encontro com todos da escola, os outros alunos crianças e adolescentes, os funcionários, os outros professores, os gestores. E os alunos levam isso a sério. É possível ver que se dedicam da melhor maneira possível,  pois sabem que aquilo será mostrado. E quando se mostra, para eles,  é sinal que seu trabalho está sendo valorizado.
Chega então outro momento de muito trabalho, a montagem.  Além de ter o objetivo final que é mostrar os trabalhos da melhor forma possível, isto é, de maneira a não supervalorizar um trabalho ou uma série mais do que a outra, o professor da escola pública tem um obstáculo enorme, a falta de materiais. É o momento, em que a cabeça ferve e tenta encontrar materiais que tornem a exposição bem organizada e bonita visualmente. Expedições pela casa, pela casa de familiares, pergunta daqui e dali. É então que tecidos, plásticos grandes, acetato fazem a escola ter mais paredes disponíveis para trabalhos tão bonitos.
Horas e horas de montagem. Tudo pronto. Já é possível, durante o intervalo, ver os alunos circulando entre os trabalhos, alguns lendo as plaquinhas que contam um pouco do trabalho, outros com os olhos brilhantes quando veem seu trabalho exposto. Sorrisos são mostrados, dúvidas e estranhamento veem a tona, ao se deparar com o trabalho de outros alunos.  
Um clima de respeito se desenha no ar, todo o trabalho de uma escola inteira, ali pulsando, ao mesmo tempo, e os alunos se sentindo autores e não apenas reprodutores. Aquilo tudo só estava acontecendo, pois havia as mãos e ideias deles.
Entretanto, toda a beleza dessa história de aprendizagem e autoria, acabou de maneira rápida. Numa nublada segunda-feira, os trabalhos pendurados na parte externa, nas paredes de plástico e tecido, foram todos retirados e colocados embaixo de uma mesa. Foram retirados, mesmo com a promessa que ficariam ali até a reunião de pais.
Todo trabalho e dedicação, que demorou pouco mais de um mês para ser construído junto com os alunos, ficaram a mostra apenas um único dia. Exposições, em nenhum lugar, museu ou galeria, duram apenas um dia. Exposições são feitas para serem apreciadas com calma e também para serem vistas várias vezes. Por que na escola abortam essa experiência rica que é o aluno ver o próprio trabalho ou o trabalho do outro? Por que não aproveitar esse momento e falar sobre respeito entre os alunos?
Respeito é o que eu não consegui tirar dessa atitude, infelizmente. Se não se vê entre os adultos, como poderemos então ensinar para as nossas crianças?
Vi apenas uma mentalidade utilitarista. Mentalidade que cumpre de maneira eficaz apenas as obrigações de calendário e leis e que não vê que uma simples exposição de trabalhos de alunos pode conter sentimentos humanos e uma série de aprendizagens que talvez  sejam tão sutis que ficam difíceis de serem compreendidas por mentes  que prezam apenas pela cumprimento rápido e eficaz das coisas.

24.8.12

aéreos


Texto escrito na volta às aulas. Publicado com um pouco de atraso. 

Meninos soltando pipas - Aracy

Volta às aulas. Aquela lerdeza pós-férias. Professores e alunos com suas cabeças um pouco aéreas.
Professores, de um lado, suspiravam, com certo saudosismo, ao se lembrarem dos seus dias de descanso e tiravam das suas bolsas novamente , sacudindo um pouco a poeira, seus discursos e reclamações sobre os alunos.
Os alunos, de outro lado, traziam em suas mochilas uma energia sem fim, que não cabia nem em uma sala de aula e nem em uma cadeira quadrada. Suspiravam ao olharem os quadrados voando com suas rabiolas dançando livres no céu.
Na sala dos professores, já me  sinto cansada, com o retorno do discurso velho e também sozinha, ao observar que me identificava mais com o “estado aéreo” dos alunos do que com o dos meus colegas. Respirei fundo e procurei em cada canto, daquela sala de cores velhas e repetitivas, alguém que quisesse suspirar comigo, ao olhar aquelas crianças correndo pelo pátio da escola e imaginar que podemos ser, todos juntos, aqueles quadrados, nada cartesianos, que voam pelos céus por aí.

27.7.12

por que não deixa em casa?


Por que tem gente que após as férias escolares deixa para trás  o corpo e a cara cansada  e não consegue deixar as lamúrias e as lamentações que faz em relação à escola? 

26.7.12

Notas sobre as férias do meio do ano




  Todo ano chego à escola e ouço: “Foram apenas duas semanas ! Passou voando!”
  Sim,  apenas duas semanas, mas muito  oportunas para respirar, para experimentar novos tempos e talvez lugares.
  As férias e o ócio, que andam de mãos dadas, nos ajudam  a pensar melhor, pois respiramos um tempo desregrado e  nos movimentamos em um outro espaço (se viajamos ou passeamos por nossa cidade).
  Esse pequena pausa nos convida a refletir sobre como foi o primeiro semestre e quais serão os planos para a outra metade do ano que está por vir. Nas férias “fechamos para balanço” de uma maneira lenta e preguiçosa. Mistura-se uma vida imaginária à vida real.
 Às vezes a vida imaginária, a vida hipotética (“e se eu morasse aqui , como seria?”, “se eu tivesse mais tempo livre, como seria?”) não nos larga e fica difícil a hora da despedida.
  Mas temos que nos despedir e voltar. Volto sempre com uma leveza inexplicável, uma vontade de recriar minha vida, e como a escola faz parte da minha vida, tenho vontade de recriar meu modo de agir, de me relacionar com meus colegas professores e com os alunos,  para que cada vez mais essa  vida imaginária, essa vida que vivemos com prazer e alegria, se aproxime da vida real.
  Pela eterna continuidade do recesso aos professores e aos alunos! Pela  implantação do recesso a todos os outros trabalhadores do mundo!

4.4.12

lembre-se desse cartaz

04/04/2012 - Greve dos Professores da Cidade de São Paulo - Praça da Patriarca


É caro professor, quando você num momento de lapso achar que ganha bem, lembre-se desse cartaz. 

3.4.12

Carta ao novo, que já é velho

Caríssimos que passam por aqui de vez em quando,

Peço-lhes desculpa pela demora em retornar a escrever. Demorei, pois a vida dentro desse habitat está trabalhando contra qualquer fagulha de inspiração e poesia.
Muitas coisas ocorreram. Mudei de uma das escolas que trabalhava, e como vocês sabem tem toda aquela coisa de adaptação e etc. A escola é nova, mas o problema velho permanece, pois continuo na mesma situação, tapando buracos, subs-ti-tu-in-do.
Tenho também esse ano, um aluno autista na educação infantil. É a conhecida e ao mesmo tempo nebulosa inclusão. Digo conhecida, pois todos sabem que é lei, assim toda escola deve incluir todas as necessidades especiais. Nebulosa, pois as coisas vão acontecendo de forma atropelada e sem uma estrutura mínima para tudo isso.
Além disso, temos uma greve. É a primeira greve que passo como professora e não como estudante. As relações são outras, muitas pessoas amedrontadas, pois a questão de faltar alguns reais no bolso no final do mês, pode causar transtornos financeiros.  Assim como, a falta de tempo e espaço para a discussão, o que na universidade era um pouco mais possível.
Cada um tem seu motivo pessoal, suas contas a pagar, seus compromissos, mas penso que o aperto de um mês pode ser o alívio de uma carreira inteira. Urge dentro de nós professores, a necessidade de valorização. E tudo começa com a valorização financeira. É no mínimo desconcertante, ver um conhecido seu que é estagiário de direito, publicidade ou qualquer área querida da sociedade, ganhando infinitamente melhor que você que já é formado.
Também é cansativo, ouvir pessoas de seu círculo social sugerindo que você fuja da profissão, que “não vale a pena se desgastar”, entre outros conselhos. Isso não soluciona, deprime.
Basta! Escolhi tal profissão, porque gosto e não por falta de opção. Se todos, os docentes desertarem, quem formará futuros médicos, advogados, padeiros, engenheiros, professores, cientistas, mecânicos, veterinários, artistas? Desertar ou lutar? Essa última é minha opção, por ora.
Enfim, fico por aqui. Tomara que todo esse novo cenário traga algumas pitadas de inspiração. Escrever acende a vida dentro de mim.
Até breve,

C.