Sim, eu
já entrei em um ateliê de gravura. Lá fiquei encantada com o cheiro da tinta,com as grandes bancadas para se trabalhar, com os
materiais e as ferramentas. Lá o tempo fluía.
O tempo permitia saborear cada momento daquela experiência com a arte.
Sim, já
entrei numa sala de aula de escola pública. Hoje é lá que habito. Um dia, entrei
com o plano e o desejo de compartilhar o que vivi em um ateliê e o encantamento
que a gravura produz.
Lá não
havia cheiro de tinta, mas crianças com os olhos atentos e curiosos. Não havia também
bancadas, mas 35 corpinhos espremidos em um espaço pouco adequado.
Apesar
disso insisti em levar meu plano adiante. Não havia madeira para todos, mas
havia a possibilidade de levar um pedaço grande e todos experimentarem, mesmo
que por alguns minutos. E foi isso que aconteceu. Muitos deles ficaram
impressionados com a resistência da madeira e a possibilidade de desenhar com
facas. Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. A aula acabou.
A saga
continuou e foi necessário improvisar com o que tínhamos: bandejas de isopor.
Nossas ferramentas passaram a ser palitos e lápis. Furaram, desenharam,
experimentaram e Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii a aula acabou.
Chegou
a hora da impressão. Eram apenas 5
rolinhos para 30 e poucas crianças. A escola não comprou e foi o que pude tirar
do próprio bolso. A cada imagem que era impressa uma explosão de alegria e
encantamento acontecia. Ainda faltavam muitas crianças para imprimir suas
gravuras. A falta de tempo me sufocava. Muitos ansiosos para verem sua imagem,
gritavam meu nome, outros correndo, pois já tinham terminado. Tinha vontade de
fugir. Piiiiiiiiiiiiiiii a aula acabou.
Ridículo.
Era isso que me passava pela cabeça ao lembrar da qualidade da minha experiência
em um ateliê em comparação com o que era
possível proporcionar aos alunos nas minhas aulas. Ridículo ter que me sujeitar
e sujeitar os alunos a condições tão degradantes e empobrecedoras. Ridículo ter
que me adequar a um tempo que aborta experiências significativas. Ridículo ter consciência
que estou em sistema que foi construído pelas classes abastadas para dar o mínimo,
do mínimo, já que a maior parte dos estudantes de escola pública, pobres, só
precisa saber ler e fazer continhas. Arte é acessório, penduricalho. Arte não
precisa de muito tempo, qualquer um faz. Não precisa de tanta atenção. Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
o tempo acabou.
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